terça-feira, 30 de setembro de 2008
SEM TÍTULO (o ato de desenhar idéias)
PROMETEU DESACORRENTADO
(POEMA) ABUSADO COMO ELE SÓ
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Occidentia, o livro
Orlando Lopes
Poesia
2007
ISBN: 97889998008-8
88 páginas
R$ 20,00 (preço sugerido)
Poemas de Orlando Lopes recuperam em tonalidades contemporâneas o espaço e o tempo da ocidentalidade
Uma cidade "inefável", um modus vivendi litorâneo, diálogos, ecos, ressonâncias de um modelo civilizatório e afetações de diversos campos e sistemas culturais. O local a partir do qual se fala é distante, periférico, desfocado. Pode ser Vitória, capital do Espírito Santo, algum ponto da costa africana, um porto na Índia, quem sabe até mesmo a China. Em todos esses lugares, a ocidentalidade propagou seus fundamentos éticos e suas institucionalidades, suas diversas moralidades. Em todos eles, provocou o surgimento de modos expressivos (como a poesia) e abriu a possibilidade de crises e rupturas sociais e culturais nos graus mais diversos.
Poeta e capixaba, caiçara e cientista humano, Orlando Lopes realiza estudos poéticos sobre uma realidade difusa e dispersa no ambiente da cultura pós-colonial. OCCIDENTIA é uma coletânea de poemas que explora a constituição da "mentalidade ocidental" no espaço da "alteridade brasileira". O livro é um percurso lírico que, por um lado, recorre a expedientes e convenções da literatura ocidental, e que por outro desconstrói o horizonte de expectativas por eles comumente constituído.
Na passagem entre os 22 poemas que integram o livro sucedem-se entonações subjetivas e sobreposições objetivas, construções memoriais e fabulações bioficcionais: usa-se uma subjetividade para explicitar a ocidentalidade que a atravessa e que lhe confere "substância", espessura de real. Seja a percepção "dissoluta" de si mesmo (p. 33), a síntese de um bildungsroman caiçara (em "Fábula", p. 31) ou a resistência aos estereótipos coloniais (em "Mudou-se o tema (onde o mar começa)", p. 27), Orlando Lopes imprime uma dicção peculiar à expressão poética de inflexão latina, como talvez poucas vezes se tenha alcançado em língua portuguesa.
Em outros momentos, a identidade da persona que conduz o roteiro poético de OCCIDENTIA se dilui, abstrai-se para dar espaço à expressão da generalidade de uma ampla "condição humana": partindo de uma autoconsciência muitas vezes corrosiva, alguns poemas chegam à representação da presença "irredutível" de um eu-lírico que se "percebe percebedor" do que acontece em seu interior, e de como ele mesmo afeta e é afetado pelo mundo exterior ("aceitaste / a vertigem / do mundo // e as suas / estranhas / maneiras / de ser", p. 21; "sentes dores / de todo tipo / - as tuas / as dos outros / as do mundo inteiro - / mas não mais / te dilaceras / com isso", p. 22).
Também singular é a configuração "constelar" de "Ética", longo poema (p. 55-77) aglutinador de considerações tangentes às necessidades poéticas e filosóficas que sustentaram as investigações e as descobertas de uma poesia ainda jovem, mas amadurecida pelo exercício contínuo das possibilidades expressivas do português brasileiro. Escrevendo "sem o apoio da linha reta", o poeta ultrapassa a lógica ordinária das causalidades e das teleologias ("encerremos / nossas / discussões / sobre / a lógica // exerçamo-la", p. 57; "o rio / recorre apenas / a si mesmo / (torna-se círculo) / quando deseja / (para além da natureza) / tornar-se / infinito", p. 67; "a língua se / contrexpande / larga lerda mole grande: tempestáculo / de um instante", p. 77).
Visto - lido - de perto, OCCIDENTIA não é um manifesto, nem uma cartilha poética. É uma sucessão de constatações - líricas, poéticas, estéticas, artísticas - em relação a potências difusas da língua portuguesa, e do caráter profundamente ocidental de que esta se reveste.
Orlando Lopes é poeta, pesquisador, professor e ativista cultural. Nasceu em Perocão, aldeia de pescadores de Guarapari, no Espírito Santo, em 1972. Radicado em Vitória, publicou "Hardcore blues - apocalyptic songs" (1993) e participou de diversas antologias e coletâneas literárias. Licenciado em Letras, tem mestrado em Estudos Literários (com dissertação sobre Arnaldo Antunes) e cursa atualmente um doutorado em Literatura Comparada na UERJ (estudando o poema "A Máquina do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade).
terça-feira, 16 de outubro de 2007
FÁBULA
.
.
joão tenta
encontrar em
maria:
o ar mais quente em
seu hálito
o peso mais denso do
seu corpo
o zelo mais extenso do
seu gosto
mas maria (sesmaria)
é desvairada e absurda:
seu hálito
é apenas o frio do suspenso
seu corpo
é exatamente o aço do costume
seu gosto
é a certeza dedicada do acaso
que opção pode ter joão?
joão é são como sansão
é furtivo como um livro
e vivo como um reflexo desconexo
joão tem inveja todo dia (sem alívio)
joão não pode nada
nesta vida
a não ser
querer desquerer
crer em maria
.
.
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domingo, 12 de agosto de 2007
sábado, 11 de agosto de 2007
ao poeta: chega o momento
em que ambos não se exergam
não se velam
na extensão de existir
são rostos lívidos
feições apagadas (mínimas)
dos pulsos que regem a vida
pena que o poeta não saiba mais
ignorar-se:esvaziado
pelos outros (que tanto o
infernizaram) viu o poeta
cada vez mais além
e se não chegou a tornar-se
zen
.....................deus-se à falta
.....................como se fosse dádiva
: e os outros se tornaram
seu harém
resta o que resta
da vida que nos encerra:
resta a treva
treme a relva:
vinga a selva
que não nos salva
nos meus mundos
dizia o poeta
tudo se esfuma
entre um sopro
e outro: tudo é ar
é massa e colosso
tudo é ossatura:
nuvem vapor
fuligem da
indústria mais
crua : as vozes
que emanam
da multidão
passeante pela rua
segunda-feira, 30 de abril de 2007
FEIRA METAFÍSICA (vulgata simileminskiana)
.
minha lâmina sem face
descasca abacaxis, pepinos
metafísicos
abacates e cebolas
faço a xepa na feira
das idéias
: um Platão meio amassado
um Aristóteles passado (muito
bons pra sopas e caldos
variados)
almoço bom tem Descartes
enroladinho (e cozido)
Bacon frito, Hume ao ponto
Leibniz ao forno (e um bom
risoto de Spinoza
azeite a gosto, Kant
picadinho)
iguarias
acepipes
de uma dieta nobre
(a alma que não as compra
se não tiver outros cuidados
não se (des)envolve: continua
pobre – apenas rima
e se dissolve no caldeirão
dos cobres)
experimento a lâmina
na minha própria carne
para precisar seu fio
sem maior alarde
(os convivas aguardam
de olho apenas no cardápio
: o melhor sabor vem
quando sabemos o que está no prato)
.
.
FAKETOWN ALUCINA
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mesmo
a cidade
mais falsa
– a mais etérea –
(civita(vitor(viator)ia)te dei)
gera
uma chimera
luminosa (lâmpada
chinesa e longas
línguas de sombras
: arco que enverga
a íris
(azul que
num momento
revira em rosa)
nuvem que brilha
dispersão gozosa
: o maior engodo
da história
.
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sexta-feira, 27 de abril de 2007
KOAN (tríptico)
nuvens negras no calor
vento crescente
sol esvaído
: o dia teve
seu semblante
possuído
II
o céu não quer
exasperar-se (o que
de que (mister)
por que
perder
(áspera diáspora)
o arco a íris
lacrimal
(infiro – firo
– olho que se fere –
o manto negro
que nos descobre
– nós (trans)tornados
o fundo de seu abismo)
: a maior das
clepsidras)
III
enorme massa
peso carregado
(estática)
de mil consciências
esponja negra
(buraco negro)
absorve
o dia inteiro
vida (a seco)
: quanto mais molhadas
mais as nuvens
desafiam o vazio
MUDOU-SE O TEMA (ONDE O MAR COMEÇA)
A aventura é o mar ou essa forma
Que se forma depois, que vai viver
Na memória dos dias?
Egito Gonçalves
a vida inteira
procurar aquela coisa – a coisa –
que nos começa
e encontrar à porta de casa
o mar
que nunca cessa:
oceano que se transforma em ar
e – maresia – nos corrói
entranha-nos ao nos atravessar
nosso mar (também salgado) é mais impessoal
é semi-desumano: ascese de quem não navega
festa mais simples de água peixe sal (não é mar de mitos
não oculta monstros infinitos
nem tesouros de ouro jóias dobrões de prata)
é mar puro
água apenas mareal (e se escorre em nossas veias
é porque não nos foi dado chão
senão no barro de que fomos tomados
emprestados)
sim
é um mar (que guarda ainda lágrimas de mães e esposas
e sangue de irmãos e pais
aquela melancolia séria
da miséria do caiçara)
como todos os mares (por mais distantes): malabar
um mar
de párias
*
aqui
à minha frente
o oceano em vão: separa duas índias
isola duas áfricas
(estende-se o palco da ação divina
de um lado a brisa que afaga
de outro a crina que fustiga
cabeças de pedras
ou estirões de areia
infinita)
eu (vivo a vida inteira os limites da oceania
desta península que ameaça sempre invadir a
água
mas deixa o mar escorrer (cardumes caóticos berços viveiros)
entre as pernas
e entre os braços
para dentro
para sempre)
sou paralelo
como farelo de alegria
tenho irmãos naquela ponta que o meu olho ronda?
que latitudes de querer quererão eles que eu fixe
(a que bel-prazer
de que
de qual
sextante alegre ou triste)?